quarta-feira, 8 de abril de 2009

Pequeno conselho do Príncipe dos Pregadores

“Não creia em metade do que você ouve; não repita metade do que crê; quando ouvir uma notícia negativa, divida-a por dois, depois por quatro e não diga nada acerca do restante dela.”

Charles H. Spurgeon

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Conhecimento e fé salvífica

"Ele [Paulo] conclui que "Deus é um só, o qual justificará, por FÉ, o circunciso e, mediante a FÉ, o incircunciso" ([Rm3]v.30). Claramente, fé é essencial.

Mas o que é Fé? Para muitos evangélicos, Fé é somente uma aceitação mental de certas doutrinas. É algo que exercitamos uma vez no início de nossa vida cristã, depois do que podemos viver mais ou menos da maneira que nos agrada. Não importa em termos de nossa salvação se esta "fé" faz ou não diferença. Alguns evangélicos até ensinam que uma pessoa pode ser salva e segura tendo uma fé morta ou decadente ou, por incrível que pareça, se ele ou ela apostatar, negando a Jesus.

Em contraste com tal estripada fé, em toda a história da igreja a maioria dos professores da Bíblia insistiram em que a fé salvadora, bíblica, tem três elementos: "conhecimento, convicção e confiança", como Spurgeon coloca; "consciência, aceitação, e compromisso", como D. Martyn Lloyd-Jones disse; ou NOTITIA, ASSENCUS e FIDUCIA, para usar a terminologia latina.

1- O PRIMEIRO ELEMENTO É NOTITIA, OU CONHECIMENTO. Começamos com "conhecimento da Verdade" (ou "conteúdo"), porque fé começa aqui. Fé sem conteúdo não é verdadeira fé. R. C. Sproul diz acertadamente: "Não posso ter Deus em meu coração se não o tenho em minha cabeça. Antes de acreditar EM, deve acreditar QUE." Ou como John Gerstner, um dos professores de Sproul, frequentemente dizia, "Nada pode entrar no santuário do coração a menos que primeiro passe pelo vestíbulo da mente".

Dos escritores sobre fé, Calvino talvez seja mais forte neste ponto, porque ele achou que isto era necessário para opor a sérios erros acerca da fé, que haviam se desenvolvido no ensino da igreja medieval. Nos anos antes da Reforma, a igreja negligenciava o ensino das Escrituras ao povo. Assim a maioria das pessoas, até mesmo o clero, era ignorante a respeito do evangelho. Como pessoas tão ignorantes seriam salvas? A igreja respondeu que era por uma fé "implícita". Isto é, na verdade, não era necessário ao comungante saber qualquer coisa. Tudo que ele ou ela tinha a fazer era confiar na igreja implicitamente. A igreja e seus ensinamentos eram corretos, mesmo que as pessoas não soubessem o que aqueles ensinamentos corretos eram; aquelas pessoas estariam bem também, se elas apenas confiassem ou acreditassem na igreja.
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Calvino argumentou que "o objeto da fé é Cristo" e que "fé apoia-se no conhecimento, não em ignorância pia". Ele escreveu:

"Não obtemos salvação por estarmos preparados para abraçar como verdade o que for que a igreja tenha prescrito, ou porque deixamos a ela a tarefa de inquirir e conhecer. Mas o fazemos quando sabemos que Deus é nosso Pai misericordioso, por causa da reconciliação efetuada por meio de Cristo (2 Co 5.18,19) e que Cristo foi dado a nós como justiça, santificação e vida. Por este conhecimento, digo, não por submissão de nosso sentimento, obtemos entrada no Reino do Céu."

2-O SEGUNDO ELEMENTO É ASSENSUS, OU ACEITAÇÃO. É o que Spurgeon chamou de "convicção". A idéia aqui é que, importante como o conteúdo bíblico de fé é -o ponto que Calvino enfatizou tão fortemente-todavia é possível conhecer este conteúdo bem e ainda estar perdido- se o ensino não tocou o indivíduo ao ponto dele ou dela concordarem com o mesmo. Quando eu estava estudando literatura inglesa na faculdade, tive muitos professores que entendiam e eram completamente capazes de explicar a doutrina critã, por serem tão fortes na literatura. Mas eles não criam nela. Eles não tinham fé neste segundo sentido.

Uma ilustração do que este segundo elemento possa significar é a conversão de John Wesley em 1738. O grande evangelista metodista era um pregador ativo antes de sua conversão. Ele conhecia a doutrina cristã, mas ela não havia afetado-o a um nível pessoal. Ele havia crido, num sentido. Mas ele não amava realmente a cristo ou confiava nele pessoalmente. Contudo, uma noite ele foi a uma reunião em Aldersgate Street em londres, onde alguém estava lendo o "Prefácio" à Epístola aos Romanos, de Lutero, e Wesley foi convertido. Ele escreveu: "Cerca de quinze para as nove, enquanto ele descrevia a mudança que Deus efetuou no coração por meio da fé em Cristo, senti meu coração estranhamente aquecido. Senti que confiava em Cristo, somente Cristo, para minha salvação. E uma segurança foi dada a mim de que ele havia retirado MEUS pecados, até os MEUS, e salvado-ME da lei do pecado e da morte."
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Aqui está como Calvino coloca isto, seguindo uma longa sessão que trata o problema do conteúdo da fé: "Agora é preciso derramar no coração o que a mente absorveu. Pois a Palavra de Deus não é recebida pela fé, se esvoaça para lá e para cá no topo do cérebro, mas quando enraiza no profundo do coração para que seja uma defesa invencível ao resistir e repelir todos os estratagemas de tentação."

3-O TERCEIRO ELEMENTO É FIDUCIA, OU CONFIANÇA E COMPROMISSO. O terceiro elemento de fé, o qual Spurgeon chama de "confiança" e Lloyd-Jones chama "compromisso", é uma verdadeira auto-entrega a Cristo que vai além do conhecimento, ainda que este seja completo e correto, e até mesmo além da concordância com o evangelho ou sendo pessoalmente tocado por ele. Este deve ser o caso, porque até mesmo os demônios crêem nos dois limitados sentidos anteriores. Eles sabem o que a Bíblia ensina; eles sabem que é verdade. Mas eles não estão salvos. Tiago estava reconhecendo isto quando descreveu a fé inaquequada de algumas pessoas escrevendo: "Crês, tu, que Deus é um só? Fazes bem. Até os demônios crêem e tremem" (Tg 2.19). Em outras palavras, acreditar nas verdades do Cristianismo em si, se não prosseguirmos para este terceiro necessário elemento, somente qualifica alguém a ser um demônio!

Compromisso é o ponto no qual passamos a linha delimitadora de pertencermos (como pensamos) a nós mesmos e nos tornarmos verdadeiros discípulos do Senhor. Isto é o que foi visto em Tomé quando ele caiu aos pés de Jesus em adoração, exclamando: "Senhor meu e Deus meu!" (Jo 20.28).

Podemos também dizer isto ao destacar que FIDUCIA, o terceiro elemento de fé, envolve uma mudança radical de valores. Tomemos o caso do demônio chefe, Satanás. Satanás tem a NOTITIA, ele conhece o evangelho. Ele também acredita no evangelho no sentido de qe ele sabe que é verdade; neste sentido ele tem o ASSENSUS. Mas Satanás resiste a Cristo. Ele é oposto a tudo que Cristo representa. Ele despreza Cristo. Portanto, Satanás não tem fé em Jesus no sentido salvador. Para Satanás ser salvo ele teria que ter uma mudança nos valores para uma busca apaixonada da salvação. O terceiro elemento de fé produz tal mudança que é porque a pessoa nascida de novo agora busca intensamente o que ele ou ela desprezava anteriormente. Antes, a pessoa nada via que fosse desejável a respeito de Jesus. Agora, a pessoa não pode imaginar a vida sem ele.
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A NOVA FORMA DE UM VELHO ERRO.

Infelizmente, há um considerável segmento da igreja evangélica que discorda da necessidade destes três elementos. Restringe a confissão "Jesus é Senhor" à crença de que Jesus é um Salvador divino e explicitamente elimina qualquer idéia de que Jesus deve ser Senhor de nossa vida para sermos cristãos. Ensina que uma pessoa pode ser um cristão sem ser um seguidor de Jesus Cristo. Reduz o evangelho ao mero fato de Cristo ter morrido por pecadores; requer dos pecadores somente que eles reconheçam isto pelo tipo mais de aceitação intelectual, bem à parte de qualquer arrependimento ou abandono de pecado; e então os assegura de sua segurança eterna quando eles podem muito bem nem serem nascidos de novo ainda. Este ponto de vista torce a verdadeira fé bíblica a níveis irreconhecíveis e oferece uma falsa segurança às pessoas que podem ter dado confirmação verbal a este tipo reducionista de Cristianismo mas que não estão na família de Deus.

James Montgomery Boice em O Evangelho da Graça - Editora Cultura Cristã

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Paulo, a Lei e o legalismo

Este artigo é uma exposição mais detalhada da questão apresentada no post “Sob a Lei" e "Obras da Lei”.

(...) percebemos que a pessoa não é declarada justa por Deus com base na observância legalista dos mandamentos da Torah, mas por meio da fidelidade decorrente da confiança no Messias Yeshua (...). (Gálatas 2:16, NTJ)

Observância legalista dos mandamentos da Torá. A palavra grega “nomos”, que em geral significa “lei” é a palavra normalmente utilizada no Novo Testamento para o hebraico Torá, em geral traduzida para “Lei de Moisés” ou simplesmente “Lei”. Em função disso, a maioria dos cristãos pensa que “erga nomou”, literalmente “obras da lei”, um termo que aparece três vezes no v. 16, deve significar “atos feitos em obediência a Torá”. Isso, no entanto, é um erro. Um dos mais bem guardados segredos do Novo Testamento é que quando Sha’ul escreve “nomos” muitas vezes não quer dizer “lei”, mas “legalismo”.

Para que minha defesa dessa interpretação não se pareça um tanto apelativa, defenderei o meu ponto de vista citando dois notáveis eruditos cristãos gentios, sem que nenhum judeu messiânico tivesse demonstrado particular interesse no assunto. C. E. B Cranfield, em seu comentário do livro de Romanos, escreveu:

“(...) será bom manter em mente o fato (o qual até onde sabemos, não recebera a devida atenção até ser notado no [artigo de Cranfield] Scottish Journal of Theology, Vol. 17, 1964, p. 55) que a língua grega nos dias de Paulo não possuía nenhum grupo de palavras que correspondesse aos nossos termos ‘legalismo’, ‘legalista’ e ‘legalístico’. Isso significa que faltava a Paulo uma terminologia adequada que pudesse expressar essa distinção fundamental, o que dificultou seriamente a exposição da perspectiva cristã quanto à lei. Diante disso, deveríamos sempre, assim pensamos, estar prontos a considerar a possibilidade de que as declarações paulinas, que a primeira vista parecem depreciar a lei, foram na verdade dirigidas não contra a própria lei, entretanto contra uma interpretação errônea e um uso equivocado da lei, para o que agora possuímos uma terminologia adequada. Paulo foi pioneiro quanto a esta difícil questão. Se fizermos a devida correção neste caso, não seremos confundidos ou enganados com tanta facilidade por certa falta de precisão nas declarações que por vezes encontraremos.” (C. E. B. Cranfield, The International Critical Commentary, Romans, [O comentário crítico internacional, Romanos] 1979, p. 853).

Cranfield está certo, exceto quanto à sua especulação acerca de ser o primeiro. Quarenta e três anos antes, Ernest De Witt Burton, em seu clássico comentário de Gálatas, também deixou claro que no versículo em questão “nomos” significa “legalismo” e não a Torá divina:

Nomou é utilizada de modo claro aqui (...) em seu sentido “legalístico”, indicando a lei divina apenas como um sistema puramente legalista que se constitui de obrigações e funciona na base da obediência ou desobediência, diante do qual o homem é aprovado ou condenado em função de sua dívida e desprovido de qualquer graça. Isso é a lei divina conforme definida por um legalista. No entendimento do apóstolo, essa noção só tem validade na medida em que se constitui em um dos elementos da lei divina, separado de todos os demais elementos e aspectos que constituem a totalidade da sua revelação. Ao se fazer essa separação, a vontade de Deus e a sua verdadeira atitude para com o homem são distorcidas. Por erga nomou Paulo quer dizer atos de obediência para com leis formais executados em um espírito legalista, na expectativa de conseguir com isso merecer e garantir a aprovação e a recompensa divinas; obediência essa, em outras palavras, feita de acordo com o entendimento da lei do Antigo Testamento pelos legalistas, por eles expandida e interpretada. Embora nomos não existisse no sentido de ser equivalente à base da justificação na lei divina, erga nomou, entretanto, existia de modo muito real na forma de pensar e na prática de homens que concebiam a lei divina desta maneira (...). A tradução dessa frase aqui e em diversos outros lugares (...) por ‘as obras da lei’ (...) é um grave erro das [versões que a apresentam].” (E. Burton, The International Critical Commentary, Galatians, [O comentário crítico internacional, Gálatas] 1921, p. 120).

A frase “erga nomou”, encontrada somente nos escritos de Sha’ul, é utilizada oito vezes e sempre em relação a uma discussão técnica acerca da Torá, sendo três vezes aqui; em 3:2, 5 e 10; e em Rm 3:20, 28. Dois outros usos de “erga” (“obras”) estão em estreita associação com a palavra “nomos” (“lei”) – Rm 3:27, 9:32. Até mesmo quando ele utiliza “erga” de forma isolada, o significado implícito em geral é o de “obras legalistas” (5:19; Rm 4:2, 6; 9:11; 11:6; Ef 2:9; 2Tm 1:9; Tt 3:5), embora ele a use 17 vezes de uma forma neutra (Rm 2:6; 13:3, 12; 2Co 11:15; Ef 2:10; 5:11; Co 1:21; 1Tm 2:10; 5:10, 25; 2Tm 3:17, 4:14; Tt 1:16; 2:7, 14; 3:8, 14).

Minha conclusão é de que em todos os casos “erga nomou” não significa atos realizados em função de se seguir a Torá da maneira em que Deus planejou, mas atos realizados como conseqüência de se perverter a Torá fazendo dela um conjunto de regras as quais, supõe-se, podem ser obedecidas de forma mecânica, automática e legalista, sem que se tenha fé, sem que se deposite a devida confiança em Deus, sem que se ame a Deus e aos homens, e sem que se esteja no poder do Espírito Santo.

Erga nomou”, portanto, é um termo técnico cunhado por Sha’ul para atender de forma precisa a necessidade acerca da qual Cranfield escreveu; uma expressão que fala de legalismo e não da lei. No entanto, em razão do tema abordado por Sha’ul ser a falta de compreensão e perversão da Torá em algo que nunca pretendeu ser, erga nomou é, especialmente neste contexto, “obras legalistas relacionadas à Torá”, exatamente como Burton explicou. Essa é a razão da minha tradução: observância legalista dos mandamentos da Torá.

De modo semelhante, “upo nomon” (“sob a lei”), que aparece cinco vezes nesta carta, jamais significa simplesmente “sob a Torá”, no sentido de “sujeito às suas prescrições” ou de “vivendo dentro de sua estrutura”. Antes, com apenas uma variação de fácil explicação, é a forma curta de Sha’ul expressar “vivendo sob a opressão causada por se estar escravizado ao sistema social ou à mentalidade que se origina sempre quando a Torá é deturpada em legalismo”.

Pesquisadores cristãos já discursaram de forma ampla acerca da suposta ambivalência do entendimento de Sha’ul quanto a Torá. Seus esforços têm sido no sentido de demonstrar que, de algum modo, ele conseguia abolir a Torá sem deixar de respeita-la. Pesquisadores judeus não-messiânicos, elaborando sobre essa conclusão pretensamente correta e fornecida de forma gratuita por seus colegas cristãos de que de fato Sha’ul aboliu a Torá, tomaram para si a responsabilidade de demonstrar que a conseqüência lógica do fato de Sha’ul ter abolido a Torá é que ele também não a respeitava, e por isso teria removido a si próprio e a todos os futuros crentes judeus em Yeshua, do campo do judaísmo (a tão conhecida “bifurcação do caminho”). Deste modo, judeus não-messiânicos de orientação liberal dos tempos modernos também tiraram a sua casquinha da situação reivindicando Jesus para si na qualidade de um excelente mestre judeu, e ao mesmo tempo fazendo de Sha’ul o vilão da história.

Sha’ul, entretanto, nesse caso, não era ambivalente. Para ele a Torá de Mosheh era inequivocamente “santa” e cada um de seus mandamentos “santo, justo e bom” (Rm 7:12). E de igual modo eram as obras feitas em verdadeira obediência à Torá. Mas para que fossem consideradas boas por Deus, as obras feitas em obediência à Torá tinham que estar alicerçadas na confiança, e não no legalismo (veja Rm 9:30-10:10&NN). Se mantivermos em mente que Sha’ul não tinha nada de bom para dizer acerca do pecado de se perverter a Torá em legalismo, e nada de ruim para dizer sobre a Torá em si mesma, então as pretensas contradições quanto à sua visão da Torá simplesmente desaparecem. Em vez de ser o vilão que destruiu a principal sustentação do judaísmo, levando os judeus a se desviarem, ele é o mais autêntico expositor da Torá que o povo judeu já teve, além do próprio Messias Yeshua.

David H. Stern

  ©Orthodoxia desde 2006

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