O Código da Aliança
Ele nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor, no qual temos a redenção, a remissão dos pecados. (Cl 1:13-14)
Os eleitos, uma vez salvos pela graça e adotados, são inseridos, ou melhor, transportados do império das trevas para o Reino do Filho de Deus (Jesus). Este "transporte" tem implicações muito sérias, pois significa uma mudança de "realidade". Neste versículo, Paulo faz uso de uma linguagem de libertação, que remete a páscoa israelita [hb. pêssach - פסח], quando o povo israelita foi liberto do Egito e engajados em uma jornada para a liberdade (Êxodo).
De fato, o próprio termo hebraico para "páscoa" quer dizer "passagem", uma transição do estado de cativeiro e prisão, para o estado de liberdade. Neste sentido, Israel torna-se o povo de YHVH e este "tornar-se povo", implica um tipo adoção nacional ou uma relação de suserania e vassalagem.
Nos povos da antiguidade, quando um reino mais fraco era dominado por um reino mais forte, os cidadãos que se rendiam do reino dominado, eram absorvidos pelo reino suserano, tornando-se assim seus vassalos. Um "rei" ou "senhor" exigia, como um tipo de rito de absorção nacional, que os vassalos se comprometessem com o novo reino por meio de uma confissão pública dos decretos reais, firmando assim uma aliança com aquele rei, podendo estes decretos serem denominados de código da aliança.
Em uma lógica semelhante, Deus ao libertar o povo de Israel do Egito, os inseriu em seu reino, transformando-os em povo da aliança ou gente peculiar, ao menos esta é a linguagem que encontramos em Êxodo quando é dito:
Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então, sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda a terra é minha; vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa. São estas as palavras que falarás aos filhos de Israel. (Ex 19:5-6)
Interessante que este quadro teológico de nova nacionalidade e adoção nacional é também usado pelo apóstolo João ao se referir à Igreja (Ap 1:6; 5:10) e pelo apóstolo Pedro quando escreveu em sua primeira carta:
Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia. (I Pe 2:9-10).
As palavra de Pedro remetem ao êxodo, uma linguagem do imaginário judaico da relação exílio-libertação. A teologia petrina é que a Igreja é composta por um "povo" que se tornou "povo de Deus". Esta mudança de estado é afirmada com o uso de algumas expressões e conceitos chaves como: o movimento "trevas-luz", o "chamado" (ideia de eleição), o adjetivo propriedade exclusiva, e outras termos que evocam este novo estado. Neste ponto, é importante destacar a noção de Senhorio de Cristo.
Não são poucas vezes que o Novo Testamento se refere a Jesus como Senhor (gr. kyriós). Isto se deve ao fato, de que há uma relação de soberania entre Cristo e seus súditos. Ele é o senhor "suserano", o rei, com quem os cativos-libertos firmam um pacto de liberdade. Por isso, os "chamados" são inseridos no novo reino, onde desfrutarão de todos os benefícios deste pacto. Na lógica bíblica não existem despatriados, ou se pertence a um reino tirano de escravidão ou a um reino de liberdade e justiça.
No Reino de Deus, não há "autonomia" no sentido moderno, no sentido de uma "lei para si mesmo". Esta proposta, remete a queda do homem no Éden. Por isso a "liberdade moderna" é uma falsa liberdade. A proposta bíblica é que em lugar da "autonomia" baseada no ego humano afetado pela queda, a verdadeira liberdade, que remete à criação, está em se submeter a lei de Deus. Algo que a teologia cristã-reformada chamaria de teonomia.
A teonomia é admissão de que no Reino de Deus a verdadeira liberdade opera-se pela internalização da lei de Deus pelo Espírito. Se baseia no cumprimento da profecia de Jeremias sobre a Nova Aliança , em que um dia a lei do Senhor seria escrita na mente e nos corações (Jr 31:31 e seg.). O Novo Pacto é uma nova relação senhorio-súdito, pois, no pacto anterior, havia uma submissão mecânica ao código da aliança, neste pacto renovado, a lei é inscrita, integrada ao interior humano. Por isso o profeta Ezequiel viu dias em que um coração regenerado seria dado ao homem e que o próprio Deus operaria (monergisticamente) a obediência da lei a partir dos corações dos homens (Ez e36:26-27). Esta é a liberdade do Espírito!
Enfim, a vocação é entender que vivendo nesta realidade do Espírito, no Reino de Deus (no Civitas Dei - adotando Agostinho), Jesus Cristo tornou-se Senhor, soberano sobre o Povo de Deus. O Povo de Deus vive uma realidade completamente nova e uma liberdade que é operada por Deus, quando Ele inscreve nos corações dos santos seus preceitos, concedendo-lhes nova identidade e novo sentido existencial. Isto é algo que atinge as relações concretas desta existência, a rotina, que envolve o comer, beber, casar, trabalhar, pesquisar etc. Agora, os resgatados vivem sob uma aliança, sob a linguagem e o estilo de vida de um novo reino, o Reino de Deus.
Soli Deo Gloria.
Kol HaKavod LaShem
Igor Miguel
do excelente Pensar...
em O Código da Aliança
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