quinta-feira, 3 de abril de 2008

A mente moderna e a vida em comunidade

Se em uma manhã nos encontrássemos subitamente bloqueados pela neve, entraríamos repentinamente num mundo maior e mais estranho do que até então conhecíamos. E eis porque as pessoas tipicamente modernas põem o melhor de seu esforço em escapar à rua em que moram. Primeiro alegam razões de ordem higiênica e tocam-se para Margate. Depois invocam a cultura moderna e vão visitar Florença. Por fim inventam o imperialismo moderno e partem para Timbuctoo. Chegam aos mais fantásticos extremos da terra. Pretendem caçar tigres. Quase cavalgam camelos. Tudo isso somente para fugir à rua em que nasceram. E têm sempre prontas suas razões pessoais para tal fuga. Dizem que fogem de sua rua porque ela é monótona, — e mentem. Na realidade fogem porque sua rua é demasiado excitante. É excitante porque é muito exigente; e é exigente porque é viva. As pessoas se sentem bem em Veneza porque para elas os venezianos não são mais que venezianos, ao passo que as pessoas de sua própria rua são seres humanos. Podem encarar os chineses, porque para elas os chineses são coisa passiva, feita para se olhar; mas se encararem a velha senhora no jardim vizinho essa dama imediatamente se lhes revelará ativa. Em suma, o indivíduo vê-se obrigado a fugir da sociedade demasiado viva de seu próximo, — dos homens livres, teimosos, personalíssimos, deliberadamente diferentes deles. Uma rua de Brixton é por demais ofuscante e assustadora. E o indivíduo tem mesmo de acalmar-se entre tigres e abutres, camelos e crocodilos. É verdade que tais seres são ainda muito diferentes dele. Mas, em compensação, eles não lhe opõem sua configuração, cor ou costumes próprios, em franca competição intelectual com os dele. Não pretendem refutar-lhe os princípios para impor-lhes os seus, enquanto que os estranhos monstros da rua do bairro em que ele mora têm esta pretensão. Um camelo não retorce o focinho em sorriso de mofa porque Mr. Robinson não tem corcova, ao passo que o cavalheiro bem educado do número cinco se abre em franco sorriso de desprezo porque Robinson não tem guarnição de madeira nas paredes de sua casa. Um abutre é incapaz de rir-se porque um homem não voa; mas o major que mora no número nove é capaz de dar boas gargalhadas porque um homem não fuma. A queixa que continuamente temos de nossos vizinhos é a de que, como costumamos dizer, eles não tratam da própria vida, o que não significa que nossos vizinhos não tratem de seus próprios interesses. Se assim fosse seriam despejados por falta de pagamento de aluguel e bem depressa deixariam de ser nossos vizinhos. O que realmente exprimimos quando dizemos que eles não tratam da própria vida é algo de sentido muito mais profundo. Na verdade, eles não nos desagradam porque possuam tão pouca energia e vivacidade que se tornem incapazes de interessar-se por si próprios. Desagradam-nos, sim, porque têm tanta energia e vivacidade que são capazes de interessar-se até por nós. Em suma, o que tememos em nossos vizinhos não é a estreiteza de seus horizontes, mas sua decidida tendência a ultrapassá-los. E todas as aversões ao comum da humanidade têm esse caráter geral. Não são, como se pretende, aversões às suas fraquezas, mas à sua força. Os misantropos fingem que desprezam a humanidade por suas fraquezas. O fato é que a odeiam por sua força.

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