terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

O Maníaco

Pessoas completamente mundanas nun­ca entendem sequer o mundo; elas confiam plenamente numas poucas máximas cínicas não verdadeiras. Lembro-me de que, certa vez, fiz um passeio com um editor de su­cesso, e ele fez uma observação que eu ouvira muitas vezes antes; é, na verdade, quase um lema do mundo moderno. Todavia, eu ouvi essa máxima cínica mais uma vez e não me contive: de repente vi que ela não dizia nada. Referindo-se a alguém, disse o editor: "Aquele homem vai progredir; ele acredita em si mesmo".

Lembro-me de que, quando levantei a cabeça para es­cutar, meus olhos se fixaram num ônibus no qual estava escrito "Hanwell" [1]. Disse eu então: "Quer saber onde ficam os homens que acreditam em si mesmos? Eu sei. Sei de homens que acreditam em si mesmos com uma confian­ça mais colossal do que a de Napoleão ou César. Sei onde arde a estrela fixa da certeza e do sucesso. Posso conduzi-lo aos tronos dos super-homens. Os homens que realmente acreditam em si mesmos estão todos em asilos de lunáticos". Ele disse calmamente que, no fim das contas, havia um bom número de homens que acreditavam em si mesmos e que não eram lunáticos internados em asilos. "Sim, certa­mente", retruquei, "e você mais do que ninguém deve co­nhecê-los. Aquele poeta bêbado de quem você não quis aceitar uma lamentável tragédia, ele acreditava em si mes­mo. Aquele velho ministro com um poema épico de quem você se escondia num quarto dos fundos, ele acreditava em si mesmo. Se você consultasse sua experiência profissio­nal em vez de sua horrível filosofia individualista, saberia que acreditar em si mesmo é uma das marcas mais comuns de um patife. Atores que não sabem representar acredi­tam em si mesmos; e os devedores que não vão pagar. Seria muito mais verdadeiro dizer que um homem certamente fracassará por acreditar em si mesmo. Total autoconfian­ça não é simplesmente um pecado; total autoconfiança é uma fraqueza. Acreditar absolutamente em si mesmo é uma crença tão histérica e supersticiosa como acreditar em Joanna Southcote [2]: quem o faz traz o nome "Hanwell" escrito no rosto com a mesma clareza com que ele está es­crito naquele ônibus."

A tudo isso meu amigo editor deu esta profunda e eficaz resposta: "Bem, se um homem não acredita em si mesmo, em que vai acreditar?" Depois de uma longa pausa eu respondi: "Vou para casa escrever um livro em resposta a essa pergunta". Este é o livro que escrevi para responder-lhe.

[1] Nome de um asilo para loucos, como será verificado mais à frente.
[2] Ela (1750-1814) se dizia virgem e grávida do novo Messias, e chegou a ter muitos seguidores.


G.K. Chesterton - Ortodoxia

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