quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Ainda sobre os caramujos eruditos

Nossa própria situação é bem parecida com a dos caramujos eruditos. Grandes profetas e santos têm uma intuição com relação a Deus que é positiva e concreta. Pois, só de tocar as vestes do seu ser, eles foram capazes de vislumbrar que ele é a plenitude da vida, da energia e da alegria. E por isso (e por nenhum outro motivo) eles têm de anunciar que ele transcende aquelas limitações que chamamos de personalidade, paixão, mudança, materialidade e coisas do gênero. A qualidade positiva que há nele, que ultrapassa as limitações, é a única razão para tantas negativas. Mas quando, titubeando, corremos atrás tentando construir uma religião intelectual, e “iluminada”, o resultado é que pegamos essas negativas (infinito, imaterial, impassivo, imutável etc.) e as usamos sem temperá-las com a intuição positiva. A cada passo do processo excluímos da nossa idéia de Deus algum atributo humano. A única razão de se jogar fora atributos humanos é criar espaço no qual colocaríamos algum atributo divino positivo. Na linguagem do apóstolo Paulo, o propósito desse despir não é deixar nossa idéia de Deus nua, mas fazer com que ela seja revestida. Infelizmente, não temos meios para realizar este revestimento. Assim que removemos da nossa idéia de Deus características elementares dos seres humanos, nós (meros investigadores inteligentes e eruditos) não temos onde buscar aquele atributo da divindade incrivelmente real e concreto que deve ser colocado no lugar do atributo humano removido. Assim, a cada passo no processo de refinamento, nossa idéia de Deus vai sendo esvaziada, e imagens fatais começam a aparecer (um mar infinito, silencioso, um céu límpido além das estrelas, uma abóbada branca e radiante), levando-nos a um grande vazio, à adoração de uma entidade não existente.

C.S. Lewis – Milagres

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