quarta-feira, 30 de julho de 2008

Quando é lícito matar alguém em auto-defesa?

Objeção 1. Parece não ser permitido a ninguém matar um homem em auto-defesa. Pois Agostinho disse a Públio (Ep.xlvii): “Não concordo com a opinião de que alguém deva matar um homem a fim de que não seja morto por ele; a menos que seja um soldado, exerça um ofício público, de modo que não faça isto por si mesmo mas pelos outros, tendo o poder para assim fazer, desde que autorizado por alguém.” Assim, aquele que mata um homem em auto-defesa, o mata para que não seja morto por ele. E isto parece ser ilegal.

Objeção 2
. Ademais, ele diz (De Lib. Arb. I, 5): “Como são livres do pecado devido à providência Divina, quem são esses culpados para tomar a vida de um homem por conta de coisas semelhantes?” E entre coisas semelhantes ele fala “daquelas que os homens não podem sofrer a perda voluntariamente,” como percebemos pelo contexto (De Lib. Arb. i, 5): e a maior dessas é a vida do corpo. Portanto não é lícito a qualquer homem tomar a vida de outro por conta da vida de seu próprio corpo.

Objeção 3
. Mas não só, Papa Nicolau [Nicolau I, Dist. 1, can. De seus clérigos] diz em seu Decreto: “Com relação aos clérigos sobre os quais você nos consultou, a saber, os que mataram um pagão em auto-defesa, a respeito se, depois de corrigirem-se pelo arrependimento, podem retornar ao seu estado anterior, ou sobem à um grau mais elevado; saiba que em hipótese alguma é lícito a eles matar um homem, não importa quais sejam as circunstâncias.” E, os clérigos e os leigos estão sob os mesmos limites de observância dos preceitos morais. Por conta disto, tampouco é lícito aos leigos matar quem quer que seja em defesa própria.

Objeção 4
. Ademais, o assassinato é um pecado mais grave que a fornicação e o adultério. Ora, ninguém pode livremente cometer fornicação ou adultério ou qualquer outro pecado mortal a fim de preservar sua própria vida; uma vez que a vida espiritual deve ser preferida à vida do corpo. Portanto nenhum homem pode livremente tomar a vida de outro em auto-defesa, a fim de salvar sua própria vida.

Objeção 5
. E mais, se a árvore for má, assim serão os seus frutos, conforme Mt. 7:17. Ora, a auto-defesa parece ser ilegal em si mesma, de acordo com Rm. 12:19: “Não defendam [significando: não vinguem] a vós mesmos, meus amados.” Portanto seu resultado, que é o assassinar a um homem, também é ilegal.

Em contrário
, está escrito (Ex. 22:2): “Se um ladrão for achado entrando numa casa ou arrombando-a, e sendo ferido, morrer; aquele que o feriu não será culpado do sangue.” Ora, é muito mais lícito a alguém defender sua vida do que sua casa. Portanto não é culpado de homicídio aquele que mata outro para defender sua própria vida.

Eu respondo que
, Nada impede que um ato tenha dois efeitos, somente um dos quais desejado enquanto o outro não-intencionado. Ora, qualificam-se os atos morais de acordo com a intenção, e não de acordo com o que não fora intencionado, uma vez que isto é acidental, como explicado acima (43, 3; I-I, 12, 1). Sendo assim, o ato de auto-defesa pode ter duplo efeito, o de preservar a própria vida, e o de matar o agressor. Por isso este ato, desde que a intenção seja salvar a própria vida, não é ilícito, pois é natural que se queira “existir” o mais que se possa. E, embora provenha de uma boa intenção, um ato pode se tornar ilícito, caso não esteja voltado para tal fim. Assim, se um homem, em defesa própria, usa mais violência do que é necessário, seu ato torna-se ilícito: contudo se ele repelir o agressor com violência moderada sua defesa é lícita, porque segundo os juristas [Cap. Significasti, De Homicid. volunt. vel casual.], “é lícito repelir a força pela força, cuidando para não exceder os limites de uma defesa sem culpa.” Tampouco é necessário à preservação [da vida] que o homem abdique do ato de auto-defesa moderado a fim de evitar matar outro homem, uma vez que é obrigação maior cuidar da própria vida do que da de outrem. Mas por ser ilícito tirar a vida de um homem, à exceção da autoridade pública visando o bem comum, como indicado acima (3), não é lícito a um homem intentar matar outro ao defender-se dele, a não ser aos que têm autoridade pública e que, ao terem a intenção de matar um homem em defesa própria, visem com isto o bem público, como no caso do soldado lutando contra o inimigo, e o oficial de justiça lutando contra os ladrões, contudo também estes pecam se forem movidos por animosidade pessoal.

Resposta à Objeção 1
. As palavras citadas de Agostinho referem-se ao caso em que um homem tenciona matar outro para salvar a si mesmo da morte. A passagem proferida na Segunda Objeção deve ser entendida no mesmo sentido. Por isso ele diz explicitamente, “devido a essas coisas,” indicando assim a intenção. Isto é suficiente como Resposta à Segunda Objeção.

Resposta à Objeção 3
. A irregularidade resulta do ato, embora não pecaminoso, de tirar a vida de um homem, como no caso do juiz que justamente condena um homem à morte. Por essa razão um clérigo, embora mate um homem em auto-defesa, está irregular, pois não pretendia matá-lo, mas, defender a si mesmo.

Resposta à Objeção 4
. O ato de fornicação ou adultério não é direcionado necessariamente à preservação da vida de alguém, como em algumas circunstâncias o ato de tirar a vida de um homem.

Resposta à Objeção 5
. A defesa proibida nessa passagem é aquela que nasce do instinto de vingança. Por isso ele concorda em dizer: “Não defendam a vós mesmos – isto é, não golpeiem seu inimigo pelas costas.”

Tomás de Aquino

Summa Theologica, II-II, q.64, a.7
Tradução: Márcio Santana Sobrinho

sábado, 26 de julho de 2008

Mashiach ben Yosef

Texto em pedra fala da morte e resurreição do Messias 'ben Yosef'Fiquei sabendo, através do Observatório Bíblico, sobre um achado arqueológico bastante interessante.

Trata-se de um texto apocalíptico inscrito em pedra, acredita-se do século I antes de Cristo, que parece falar da ressurreição de um messias (Mashiach ben Yosef) três dias após sua morte. A descoberta está sendo chamada de algo como: “manuscrito em pedra” do mar morto.

A tradição judaica fala de “dois” messias: Mashiach ben Yosef (Messias filho de José) e Mashiach ben David (Messias filho de Daví); ou, como também é entendido, dois aspectos de um único Messias. O ben Yosef como “o servo sofredor” e o ben David como o Messias glorioso que reinará no milênio.

No Talmud encontramos essa distinção:

“Rabi Alexandre disse: Rabi Yehoshua Ben Levi apontou uma contradição. Como está escrito, em seu tempo [o Messias virá], enquanto também está escrito, Eu [o Senhor] apressarei isto! — se eles merecem, Eu apressarei isto: se não, [Ele virá] no seu devido tempo. Rabi Alexandre disse: Rabi Yehoshua opôs dois versos: como está escrito: E vede, um como o filho do homem sobre as nuvens do céu enquanto [de outro modo] está escrito: [vede, Seu Rei vem a ti…] humilde e montado sobre um jumento — se eles merecem, [Ele virá] nas nuvens do céu; se não, humilde e montado sobre um jumento.” (Talmud bavli, Sanhedrin 98a)

E mais especificamente sobre o ben Yosef:

“A terra pranteará. Qual é a razão deste lamento? Rabi Dosa e os rabis diferem sobre isso. Rabi Dosa diz: (Eles lamentarão) sobre o MESSIAS QUE SERÁ ASSASSINADO, e os rabis dizem: Eles lamentarão sobre a Má Inclinação a qual será morta (nos dias do Messias). Isto está de acordo com aquele que explana que a causa (do lamento) é o ASSASSINATO DO MASHIACH BEN YOSEF, Pois concorda com o verso da Escritura: Olharão para mim, a quem trespassaram, e o prantearão como quem pranteia por seu filho único.” (Talmud bavli, Suká 52a)

O interessante do novo achado é que seria a mais antiga referência ao Mashiach ben Yosef; a única, até o momento, anterior ao nascimento de Jesus. E que ele seria ressuscitado três dias após ter sido morto.

Para se inteirar mais, leia as matérias:
Texto em pedra fala da ressurreição do Messias décadas antes de Jesus
Ancient Tablet Ignites Debate on Messiah and Resurrection

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Cristo em nós

Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus. Pensai nas coisas lá do alto, não nas que são aqui da terra; porque morrestes, e a vossa vida está oculta juntamente com Cristo, em Deus. Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, então, vós também sereis manifestados com ele, em glória.(Cl.3.1-4).

O que significa a vida cristã? Significa a vida de Cristo. Pois foi isto mesmo que Deus planejou, manifestar a vida de seu Filho Jesus nos discípulos. Paulo recebeu revelação desta verdade. Ele pode compreender pelo Espírito Santo que somos participantes com Jesus em sua morte e ressurreição.

É verdade que Jesus morreu. Pois bem, é verdade que eu morri com Ele. É também verdade que o Senhor Jesus ressuscitou. Também é verdade que eu ressuscitei com Jesus.

Somos participantes com Jesus, pela fé (certeza; convicção), em sua morte, ressurreição e até sua exaltação (Ef.1.3).

Que maravilha! Deus nos uniu a Jesus. Estamos intimamente ligados ao Senhor. Nós nEle e Ele em nós. Aleluia!

É por isso que no verso 4 Paulo afirma, sem margem de erro ou dúvida, que “Cristo é a nossa vida”. Entendemos bem esta afirmação? “CRISTO É A NOSSA VIDA”. Não será nossa vida; Ele é nossa vida. Aleluia!

Isto é tremendo! “Não sou mais eu quem vive MAS CRISTO É QUEM VIVE EM MIM” (Gl.2.20).

“Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar...”

É isto que precisa acontecer. Temos que deixar o Senhor livre para manifestar sua vida em nós; assim, nos manifestaremos com Ele, em glória.

Isto é uma realidade espiritual para hoje; para ser vivida aqui e agora.
Cristo quer se manifestar em cada um e a cada um de seus discípulos o mais rápido possível. O próprio Jesus trabalhou esta verdade com seus discípulos no passado (Jo.14.20-23). O Espírito Santo quer nos dar revelação desta gloriosa verdade.

Isto não só traz impacto para nós, os discípulos, mas a todos os que nos cercam. Cristo em nós significa a continuidade de sua maravilhosa obra (At.10.38).

A vida de Jesus é excelente. Ele é perfeito. Sabe tudo; pode tudo. Agradou a Deus em todas as coisas. Viveu em santidade e obediência.

Jesus quer manifestar suas virtudes. Ele deseja continuar manifestando a glória de Deus na terra; agora, através de nós.

No amor de Jesus,
Daniel Souza.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

A música na Igreja - C.S. Lewis

Há duas situações musicais nas quais eu creio que a benção está presente. Uma delas acontece quando um sacerdote ou organista, ele próprio uma pessoa, treinada e de gosto refinado, de forma humilde e carinhosa, sacrifica seus próprios anseios – todos esteticamente corretos – e entrega ao povo uma porção mais humilde e simples, crendo que, assim, conseguirá levá-los para mais perto de Deus. A outra situação ocorre quando outra pessoa, totalmente ignorante em termos musicais e artísticos, ouve humilde e pacientemente uma obra que é incapaz de apreciar por inteiro, crendo que, de alguma forma, ela glorifica a Deus. Caso não edificar aquele ouvinte inculto, ele assume que a falha deve estar nele, e não no executante.Nem o erudito nem o ignorante devem se desviar desse caminho. A música terá sido um canal da graça para ambos; não a música que os agradou, mas aquela que os desagradou. Ambos sacrificaram e ofereceram seus gostos no mais profundo dos sentidos.Mas no lado oposto dessas situações, quando o músico se enche de orgulho de suas habilidades ou é contaminado pelo vírus da emulação e olha com desdém para a congregação que não apreciou seu desempenho, ou ainda quando o inculto se fecha em sua ignorância e conservadorismo, olhando, com a hostilidade típica do complexo de inferioridade, para todos aqueles que desejam melhorar seu gosto – aí, então, podemos estar certos de que tudo o que ambos ofereceram não é abençoado, e que o espírito que os motiva não é o Espírito Santo.

C.S. Lewis

terça-feira, 22 de julho de 2008

As Chaves de Deus

ChavesTodo pastor, mais cedo ou mais tarde, enfrenta as demandas contraditórias de ser um profissional e estar no ministério. Isso porque essas duas realidades podem entrar em conflito. Um profissional tem uma agenda a cumprir, credenciais para manter, uma escada profissional a percorrer. Detalhes inadiáveis se sobrepõem à solitude; o tempo necessário à relação com Deus pode ser subtraído por urgências administrativas.

A rotina de serviço dá lugar a uma postura de gestor. Assim, uma vida de simplicidade e cuidado de almas é colocada de lado pela ambição e expectativa.Assim como médicos, advogados e outros profissionais hoje em dia, pastores sentem que suas condições de trabalho estão em conflito com o seu chamado. O crescimento dessa frustração causa a perda da paz e da alegria.

Mas, as coisas não precisam ser assim. O próprio Jesus, bem como tantos de seus seguidores ao longo dos tempos, encontraram sua força no servir. O único Deus a quem servimos colocou em nossas mãos as chaves para o Reino, conforme Mateus 16.19. Apesar dos séculos de controvérsias eclesiásticas sobre o significado desta passagem, precisamos entender simplesmente que a nossa confiança em Jesus como o único a quem “foi dada toda a autoridade nos céus e na terra” (Mateus 28.18) nos permite ter acesso às riquezas de seu Reino. Isto nos torna possível realizar nosso trabalho e viver nossas vidas na força, alegria e paz de Cristo.

Possuir as chaves significa primeiramente “aproveitar o acesso”. Imagine um homem que mantém cuidadosamente suas portas fechadas e suas chaves em mãos, mas que nunca entrou em sua casa! Ter acesso ao Reino e viver nele é o que importa. Numa tradução livre, outra célebre passagem do evangelho de Mateus pode ser entendida assim: “Busque mais do que tudo, agir conforme o Reino de Deus e possuir seu tipo de bondade, e todas as outras coisas que você necessitar lhe serão acrescentadas”. Paulo lembrou aos romanos: “Aquele que não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não nos dará juntamente com ele, e de graça, todas as coisas?”. Mas se a abundância está aqui, suficiente para derrotar as “portas do inferno”, porque não nos aproveitamos dela? Precisamos de uma chave para as chaves.

A abundância de Deus não é recebida passivamente e não nos é outorgada por acaso. A abundância de Deus é reivindicada e colocada em ação por nossa busca inteligente e ação. Precisamos agir em conjunto ao mover da vida do Reino de Deus que vem através do nosso relacionamento com Jesus. Não podemos fazer isso, é claro, simplesmente sozinhos. Mas precisamos agir. Graça contrasta-se com merecimento, mas não com esforço. Um esforço decisivo, sustentado e bem dirigido é o caminho de acesso às chaves do Reino e a uma vida de força e paz no ministério.
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Dallas Willard
Fonte: Cristianismo Hoje

segunda-feira, 21 de julho de 2008

A Graça Comum - Parte 2

2. A esfera intelectual. Satanás é “mentiroso e pai da mentira” e “não há verdade nele” (João 8:44), porque lhe foi dado ter domínio sobre o mal e sobre a irracionalidade e comprometimento com a falsidade que acompanha o mal radical. Mas os seres humanos no mundo de hoje, mesmo os descrentes, não estão totalmente entregues à mentira, irracionalidade e ignorância. Todas as pessoas são capazes de ter um pouco de compreensão da verdade; de fato, algumas possuem grande inteligência e entendimento. Isso também deve ser visto como resultado da graça comum de Deus. João fala de Jesus como “a verdadeira luz, que ilumina todos os homens” (João 1:9), pois, em seu papel como criador e sustentador do universo (não particularmente em seu papel como redentor), o Filho de Deus concede iluminação e entendimento que vêm a todas as pessoas no mundo.

A graça comum de Deus na esfera intelectual é vista no fato de que todas as pessoas têm certo conhecimento de Deus: “porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças” (Romanos 1:21). Isso significa que há um senso da existência de Deus e muitas vezes a fome de conhecer Deus que Ele permite que permaneça no coração das pessoas, embora isso resulte muitas vezes em muitos religiões diferentes criadas pelos homens. Portanto, mesmo quando falando a pessoas que sustentavam religiões falsas, Paulo pôde encontrar um ponto de contato com respeito ao conhecimento da existência de Deus, exatamente como fez quando falou aos filósofos atenienses: “Atenienses! Vejo que em todos os aspectos vocês são muito religiosos [...] o que vocês adoram, apesar de não conhecerem, eu lhes anuncio” (Atos 17:22,23).


A graça comum de Deus na esfera intelectual também resulta na capacidade de captar a verdade e distingui-la do erro e de experimentar crescimento em conhecimento que pode ser usado na investigação do universo e na tarefa de dominar a terra. Isso significa que toda ciência e tecnologia desenvolvida pelos não-cristãos é resultado da graça comum, permitindo-lhes fazer descobertas e invenções incríveis, para desenvolver os recursos do planeta na criação de muitos bens materiais, para produção e distribuição desses recursos e para alcançar habilidades na obra produtiva. Em sentido prático, isso significa que, cada vez que entramos em uma mercearia, andamos em um automóvel ou entramos em uma casa, devemos lembrar que estamos experimentando os resultados da abundante graça comum de Deus derramada tão ricamente sobre toda a raça.


3. A esfera moral.
Pela graça comum Deus também refreia as pessoas de serem tão más quanto poderiam. Novamente o reino demoníaco, totalmente dedicado ao mal e à destruição, proporciona um contraste claro com a sociedade humana, na qual o mal é claramente refreado. Se as pessoas persistem dura e repetidamente em seguir o pecado durante o curso de sua vida, Deus finalmente as entregará ao maior de todos os pecados (cf. Salmos 81:12; Romanos 1:24,26,28), mas no caso da maioria dos seres humanos eles não caem nas profundezas às quais seus pecados normalmente os levariam, porque Deus intervém e coloca freio na sua conduta. Um refreamento muito eficaz é a força da consciência. Paulo diz: “De fato, quando os gentios, que não têm a Lei, praticam naturalmente o que ela ordena, tornam-se lei para si mesmos, embora não possuam a Lei; pois mostram que as exigências da Lei estão gravadas em seu coração. Disso dão testemunho também a sua consciência e os pensamentos deles, ora acusando-os, ora defendendo-os” (Romanos 1:32). E em muitos outros casos, essa sensação interior da consciência leva os indivíduos a estabelecer leis e costumes na sociedade que são, em termos da conduta exterior que eles aprovam ou proíbem, totalmente iguais às leis morais da Escritura. As pessoas muitas vezes estabelecem leis ou têm costumes que respeitam a santidade do casamento e da família, protegem a vida humana e proíbem o roubo e a falsidade no falar. Por causa disso, elas muitas vezes seguem caminhos moralmente retos e exteriormente andam conforme os padrões morais encontrados na Escritura. Embora a conduta moral delas não possa ganhar méritos com Deus, visto que a Escritura claramente diz que “diante de Deus ninguém é justificado pela Lei” (Gálatas 3:11) e “Todos se desviaram, tornaram-se juntamente inúteis; não há ninguém que faça o bem, não há nem um sequer” (Romanos 3:12), contudo, em algum sentido menor que ganhar a aprovação ou o mérito eterno de Deus, os descrentes realmente fazem “o bem”. Jesus sugere isso quando diz: “E que mérito terão, se fizerem o bem àqueles que são bons para com vocês? Até os 'pecadores' agem assim” (Lucas 6:33).

4. A esfera da criatividade.
Deus distribuiu medidas significativas de capacidade em áreas artísticas e musicais, assim como em outras esferas nas quais a criatividade e a habilidade podem expressar-se, como praticar esportes, cozinhar, escrever, e assim por diante. Além disso, Deus nos dá a capacidade de apreciar a beleza em muitas áreas da vida. E nessa área, assim como na esfera física e intelectual, as bênçãos da graça comum são às vezes derramadas sobre os descrentes até mais abundantemente que sobre os crentes. Todavia, em todos os casos, ela é resultado da graça de Deus.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

A Graça Comum

Os evangélicos de hoje, em sua maioria, rejeitam o estudo da teologia sistemática. Como consequência, acabam formulando sua própria teologia, que, quase sempre, é superficial e sem fundamento bíblico. Um assunto muito mal entendido é a questão das obras dos incrédulos. Tudo o que eles fazem é ruim? Uma música, um livro... são todos eles instrinsecamente maus? Deus abençoa os ímpios? São assuntos que serão tratados nesse artigo de autoria de Wayne Grudem, um dos principais teólogos contemporâneos. Pelo fato de ser muito grande, o texto será dividido em partes.

A Graça Comum

I. EXPLICAÇÃO E BASE BÍBLICA

A. Introdução e definição


Quando Adão e Eva pecaram, tornaram-se réus da punição eterna e da separação de Deus (Gênesis 2:17). Do mesmo modo, hoje, quando os seres humanos pecam, eles se tornam sujeito à ira de Deus e à punição eterna: “o salário do pecado é a morte” (Romanos 6:23). Isso significa que, uma vez que as pessoas pecam, a justiça de Deus requer somente uma coisa — que elas sejam eternamente separadas de Deus, alienadas da possibilidade de experimentar qualquer bem da parte dEle, e que elas existam para sempre no inferno, recebendo eternamente apenas a Sua ira. De fato, isso foi o que aconteceu aos anjos que pecaram e poderia ter acontecido exatamente conosco também: “Pois Deus não poupou aos anjos que pecaram, mas os lançou no inferno, prendendo-os em abismos tenebrosos a fim de serem reservados para o juízo” (2 Pedro 2:4).


Mas, de fato, Adão e Eva não morreram imediatamente (embora a sentença de morte começasse a ser aplicada na vida deles no dia em que pecaram). A execução plena da sentença de morte foi retardada por muitos anos. Além disso, milhões de seus descendentes até o dia de hoje não morrem nem vão para o inferno tão logo pecam, mas continuam a viver por muitos anos, desfrutando bênçãos incontáveis nesta vida. Como pode ser isso? Como Deus pode continuar a conferir bênçãos a pecadores que merecem somente a morte — não somente aos que finalmente serão salvos, mas também a milhões que nunca serão salvos, cujos pecados nunca serão perdoados?


A respostas a essas perguntas é que Deus concede-lhes graça comum. Podemos definir graça comum da seguinte maneira: Graça comum é a graça de Deus pela qual Ele dá às pessoas bênçãos inumeráveis que não são parte da salvação. A palavra comum aqui significa algo que é dado a todos os homens e não é restrito aos crentes ou aos eleitos somente.


Diferentemente da graça comum, a graça de Deus que leva pessoas à salvação é muitas vezes chamada “graça salvadora”. Naturalmente, quando falamos a respeito da “graça comum” e da “graça salvadora”, não estamos sugerindo que há duas diferentes espécies de graça no próprio Deus, mas apenas estamos dizendo que a graça de Deus se manifesta no mundo de duas maneiras diferentes. A graça comum é diferente da graça salvadora quanto aos resultados (ela não traz salvação), seus destinatários (é dada aos crentes e descrentes igualmente) e sua fonte (ela não flui diretamente da obra expiatória de Cristo, visto que a morte dEle não obtém nenhuma medida de perdão para os descrentes e, portanto, nem os crentes nem os descrentes fazem jus às suas bênçãos). Contudo, sobre o último ponto, deve ser dito que a graça comum flui indiretamente da obra redentora de Cristo, porque o fato de Deus não julgar o mundo assim que o pecado entrou nele talvez seja apenas porque Ele planejou finalmente salvar alguns pecadores por meio da morte de Seu Filho.


B. Exemplos de graça comum


Se olhamos para o mundo ao nosso redor e o contrastamos com o fogo do inferno que ele merece, podemos ver imediatamente a abundante evidência da graça comum de Deus em milhares de exemplos na vida diária. Podemos distinguir diversas categorias específicas nas quais essa graça comum pode ser vista.


1. A esfera física.
Os descrentes continuam a viver neste mundo somente por causa da graça comum de Deus — cada vez que as pessoas respiram é pela graça, pois o salário do pecado é a morte, não a vida. Além disso, a terra não produz somente espinhos e ervas daninhas (Gênesis 3:18), nem permanece um deserto ressequido, mas a graça comum de Deus provê comida e material para roupa e abrigo, muitas vezes em grande abundância e diversidade. Jesus disse: “Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os perseguem, para que vocês venham a ser filhos de seu Pai que está nos céus. Porque Ele faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos” (Mateus 5:44,45). Aqui Jesus apela para a abundante graça comum de Deus como encorajamento aos seus discípulos, para que eles também concedam amor e orem para que os descrentes sejam abençoados (cf. Lucas 6:35,36). Semelhantemente, Paulo disse ao povo de Listra: “No passado [Deus] permitiu que todas as nações seguissem os seus próprios caminhos. Contudo. Deus não ficou sem testemunho: mostrou sua bondade, dando-lhes chuva do céu e colheitas no tempo certo, concedendo-lhes sustento com fartura e um coração cheio de alegria” (Atos 14:16,17).

O Antigo Testamento também fala da graça comum de Deus que vem aos descrentes tanto quanto aos crentes. Um exemplo específico é o de Potifar, o capitão da guarda do Egito que comprou José como escravo: “o Senhor abençoou a casa do egípcio por causa de José. A bênção do Senhor estava sobre tudo o que Potifar possuía, tanto em casa como no campo” (Gênesis 39:5). Davi fala de modo muito mais geral a respeito das criaturas que o Senhor fez:


“O Senhor é bom para todos; a sua compaixão alcança todas as suas criaturas. [...] Os olhos de todos estão voltados para ti, e tu lhes dás o alimento no devido tempo. Abres a tua mão e satisfazes os desejos de todos os seres vivos” (Salmos 145:9,15,16).


Estes versículos são outro lembrete de que a bondade que é encontrada em toda a criação não acontece automaticamente — ela se deve à bondade de Deus e Sua compaixão.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Negando a dicotomia Sagrado-Secular do Trabalho

Foi Martinho Lutero mais do que qualquer outro, que derrubou a noção de que clérigos, monges e freiras engajavam-se em trabalho mais santo do que a dona de casa e o comerciante. Calvino rapidamente acrescentou seu peso ao argumento. Os Puritanos foram unânimes em seguir a direção de Lutero e Calvino.

Como os Reformadores, os Puritanos rejeitaram a dicotomia sagrado-secular. Willian Tyndale disse que se olhamos externamente “há diferença entre lavar louças e pregar a palavra de Deus; mas no tocante a agradar a Deus, nenhuma em absoluto”.

William Perkins concordou: “A ação de um pastor em guardar ovelhas... é um trabalho tão bom diante de Deus como a ação de um juiz ao sentenciar, ou um magistrado ao regulamentar, ou de um ministro ao pregar”. Esta rejeição da dicotomia entre trabalho sagrado e secular teve implicações de longo alcance.

Primeiro, considera toda tarefa de valor intrínseco e integra toda vocação com a vida espiritual de um cristão. Torna todo trabalho conseqüência, tornando-o a arena para glorificação e obediência a Deus e expressão do amor pessoal (através do serviço) ao seu próximo. Assim Hugh Latimer viu no exemplo de Cristo a verdadeira dignidade de todo trabalho:

“Isto é uma coisa maravilhosa, que o Salvador do Mundo, e o Rei acima de todos os reis, não se envergonhou de labutar; sim, e de usar tão simples ocupação. Aqui Ele santificou todas as espécies de ocupações”.

John Dod e Robert Cleavert escreveram que: “o grande e reverendo Deus nunca despreza um ofício honesto... mesmo sendo bem humilde, mas o coroa com sua benção”.

A convicção Puritana quanto à dignidade de todo trabalho tem também o importante efeito de santificar o comum. John Cotton disse isso sobre a habilidade da fé cristã de santificar a vida e o trabalho comum:

“A fé... encoraja um homem em seu chamado por mais simples e difícil... A tais empregos simples um coração carnal não sabe com submeter-se; mas agora a fé havendo-nos convocado, se requer algum emprego simples, encoraja-nos nele... Assim a fé dispõe-se a abraçar qualquer serviço simples que faz parte do seu chamado, no qual um coração carnal ficaria envergonhado de ser visto”.

William Perkins declarou que as pessoas podem servir a Deus “em qualquer espécie de chamado, embora seja apenas varrer a casa ou guardar ovelhas”. Nathaniel Mather disse que a graça de Deus “espiritualiza toda ação”; mesmo as mais simples, como “um homem amar sua mulher e filho”, torna-se “atos graciosos”, e o “seu comer e beber são atos de obediência e, portanto, acham-se em grande conta aos olhos de Deus”.

Para os Puritanos, toda a vida era de Deus. Seu objetivo era integrar seu trabalho diário com sua devoção religiosa a Deus. Richard Steele afirmou que era na oficina “onde se pode mais confiantemente esperar a presença e benção de Deus”. Os Puritanos revolucionaram as atitudes em relação ao trabalho diário quando levantaram a possibilidade de que “cada passo e aspecto do seu ofício é santificado”.

John Milton, na sua famosa Areopagitica, satirizou os homens de negócios que deixam sua religião em casa e “comerciam todo o dia sem sua religião”. Thomas Gataker não viu tensão entre o sagrado e o secular quando escreveu:

“Um homem não deve imaginar..., quando é chamado para ser um cristão que deve prontamente rejeitar todos os empregos seculares... e dedicar-se inteiramente... a oração e contemplação, mas deve reter tanto um chamado com o outro, seguindo àquele junto ao outro”.

O objetivo Puritano era servir a Deus, não simplesmente no trabalho no mundo, mas através do trabalho. John Cotton aludiu a isto quando escreveu:

"Um verdadeiro crente... vive na sua vocação pela sua fé. Não apenas minha vida espiritual mas até minha vida civil neste mundo, e toda a vida que vivo, é pela fé no Filho de Deus: ele não isenta qualquer parte da vida da agência de sua fé”.

Cotton Mather disse:

“Um cristão deveria ser capaz de prestar boa conta, não somente do que é sua ocupação, mas também do que é na sua ocupação. Não é bastante um crente ter uma ocupação; ele deve cuidar de sua ocupação como convém a um crente”.

Com a ênfase Puritana em que toda vida é de Deus, não surpreende que um panfleto intitulado “São Paulo, o Fazedor de Tendas” pudesse observar que o movimento protestante havia produzido um ‘deleite nos empregos seculares'”.

L. Ryken

quarta-feira, 16 de julho de 2008

A Lei Bíblica e a Autodefesa

Mestre Kobi - Krav Magá“Se o ladrão for achado a minar, e for ferido, e morrer, o que o feriu não será culpado do sangue. Se o sol houver saído sobre ele, será culpado do sangue...” (Êxodo 22:2-3, ARC)

No cerne do debate sobre controle de armas está a questão da autodefesa. Cidadãos podem desejar possuir armas para caça e recreação, mas a razão primária para se comprar uma arma é a autodefesa contra criminosos e contra um governo tirânico.

Portanto, qualquer texto bíblico que trate com o direito de autodefesa é central para determinar a posse correta de armas sob a lei de Deus. Talvez o texto mais crucial para tratar do direito de autodefesa seja Êxodo 22:2-3.

Essa passagem da Escritura aparece na porção do Pentateuco conhecida como “O Livro do Pacto” (Êxodo 21-23). O Livro do Pacto segue a declaração dos Dez Mandamentos, e fornece uma aplicação concreta dos princípios de verdade e justiça contidos nos Dez Mandamentos por meios de “estatutos e julgamentos”.

O contexto de Êxodo 22:2-3 é o tratamento do roubo e da restituição. Dentro dessa discussão do roubo, o caso de um roubo interrompido é apresentado. Nessa jurisprudência dois cenários são dados.

No primeiro um ladrão é “achado a minar”, isto é, interrompido ao desmanchar o telhado, a janela ou a porta durante a noite. Assim, temos uma entrada forçada na casa (ou propriedade) que é descoberta pelo proprietário. O proprietário responde a essa situação ameaçadora (pois na escuridão ele não conhece o intento, nem a identidade ou as armas do intruso) matando o ladrão, presumivelmente com algum tipo de arma. A declaração da lei de Deus é que nessas circunstâncias o proprietário é inocente de qualquer transgressão, e está completamente justificado ao usar força letal para defender a si mesmo e a sua família.

O segundo caso envolve um ladrão “achado a minar”, sob circunstâncias diferentes. Nesse caso é durante a luz do dia, e, presumivelmente, o proprietário pode identificar as intenções do intruso e ver que ele está desarmado e que não traz nenhuma ameaça para a vida ou corpo, mas é um mero ladrão. Todavia, a despeito disso, o proprietário mata o ladrão. Nessas circunstâncias o proprietário que usa força letal é culpado de um crime. Isso não foi um ato de autodefesa (pois ele não foi atacado ou ameaçado), mas um ato de brutalidade contra um homem desarmado cuja intenção era somente o roubo da propriedade. A penalidade para o ladrão é a restituição, não a morte. Assim, esse é um caso de tirar a vida humana sem autorização, e é, portanto, assassinato, punível com morte. A lei de Deus autoriza a proteção da vida com força mortal se necessário, mas sua lei não permite a defesa da propriedade da mesma maneira.

É importante notar que o caso apresentado aqui, de um ladrão detido, envolve o derramamento de sangue. Portanto, essa jurisprudência é uma aplicação da justiça do Sexto Mandamento: “Não matarás”. Conseqüentemente, a lei bíblica da autodefesa nos autoriza a defendermos nossas vidas contra os ímpios que odeiam a Deus, sua lei, e a vida do seu próximo. Podemos assumir que aqueles que nos ameaçam com danos corporais ou armas desprezam a vida que Deus nos deu, e, portanto, podemos nos defender contra tal mal até mesmo ao ponto de matar o assaltante.

Em conclusão, consideremos as implicações de Êxodo 22:2-3 para o direito de autodefesa.

1. Essa jurisprudência estabelece o direito de autodefesa. A lei de Deus permite que o homem defenda a si mesmo e a sua família. Essa defesa pode requerer o uso de força mortal, e isso certamente implica o uso de armas.

2. Um homem está justificado ao se defender, quer ele seja atacado, quer sua vida seja ameaçada. Se um homem não é culpado de qualquer crime ao matar um intruso sobre a mera suposição que ele pode estar armado ou trazer uma ameaça para ele ou sua família, quanto mais a lei de Deus autoriza a autodefesa contra um assaltante armado que definitivamente ameaça com lesões corporais.

3. A responsabilidade primária para de defender contra ataques violentos é uma responsabilidade pessoal. A defesa da vida de alguém e de sua família é principalmente uma responsabilidade individual, não uma responsabilidade comunitária ou governamental. (Não há nenhuma indicação que Israel tinha uma polícia ou exército permanente). Há certamente uma necessidade de amar o nosso próximo e defendê-lo se pudermos. Mas a primeira linha da defesa contra a violência e agressão é o homem que está preparado para usar a força necessária, seja qual for, na proteção de sua própria vida e daqueles por quem ele é responsável (e.g., sua família). Isso, certamente, significa que ele deve estar armado para enfrentar todas as ameaças possíveis contra sua vida. Hoje, isso requer que um cidadão esteja armado com armas de fogo.

4. Qualquer arma é permissível para uso na autodefesa. Essa jurisprudência não diz que o proprietário é culpado se ele usa uma espada, mas não culpado se ele usa um porrete. A questão não é uma de armas, mas o direito de autodefesa. A lei de Deus não faz uma distinção arbitrária entre armas aceitáveis e inaceitáveis para a autodefesa. E não há leis bíblicas restringindo o acesso de cidadãos às armas necessárias para a autodefesa. Limitar o acesso de um cidadão a armas letais (e.g., armas de fogo) é limitar sua capacidade de autodefesa. O controle de armas de fogo é um controle da autodefesa. Quem quer controlar e limitar a capacidade do indivíduo de se defender, exceto os criminosos e tiranos?

5. Essa jurisprudência seria um grande desencorajamento para os criminosos. Depois de tudo, os cidadãos estariam armados e autorizados a matar, se necessário, intrusos e agressores!

6. Essa jurisprudência restringiria também o indivíduo no uso de armas na autodefesa. Ele deve ser muito cuidadoso, para que não use força mortal quando essa não é necessária. Se o fizer, ele é culpado de um crime, e deve pagar com sua própria vida.

Autor: William Einwechter
Traduzido por: Felipe Sabino de Aaraújo Neto
Fonte: Monergismo

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Jó e seus amigos

"O livro de Jó ocupa um lugar muito particular na Palavra de Deus. Ele tem um caráter totalmente próprio, e ensina lições que não vamos achar em nenhuma outra parte do inspirado Volume. Não é o nosso propósito abordar a questão da autenticidade deste precioso livro nem apontar as provas da sua divina inspiração. Estas coisas temos por certas; e não temos a menor dúvida quanto à sua veracidade, porquanto deixamos tais provas em mãos mais capazes. Recebemos o livro de Jó como parte das Sagradas Escrituras e, portanto, para proveito e bênção do povo de Deus. Não precisamos de provas para nós, nem pretendemos oferecer nenhuma delas aos nossos leitores.

E cabe adicionar que não temos o propósito de entrar em investigações a respeito da autoria deste livro, tema que, por muito interessante que seja, cremos se tratar de um assunto puramente secundário. Recebemos o livro como procedente de Deus, e isto nos basta.

Cremos de todo coração que é um escrito inspirado, e sentimos que não nos incumbe discutir a questão referente a onde, quando e por quem foi escrito.

Resumindo, nos propomos, com a ajuda do Senhor, a oferecer ao leitor alguns pensamentos simples e práticos sobre este livro, o qual cremos requerer um estudo mais profundo para poder ser melhor compreendido. Queira o Espírito eterno — o Autor do livro — explicá-lo e aplicá-lo às nossas almas!".

Para obter o livro: Jó e seus amigos, de C.H. Mackintosh

quinta-feira, 10 de julho de 2008

A Tempestade

"Estava tudo escuro, exceto onde o relâmpago cortava o céu. O vento sibilava e as águas caíam, diluviais. Que devastação! Mas não demorou muito, os relâmpagos cessaram, os raios silenciaram, a chuva parou, as nuvens se foram com o vento manso e apareceu o arco-íris. Então, durante várias semanas, os campos ficaram cobertos de flores e, por todo o verão, a grama esteve mais verde, os ribeiros mais cheios e as árvores mais frondosas tudo porque a tempestade havia passado por ali."

Theodore Parker
Via: Esther

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Religião & Cia

ReligiosidadeNeste dia venho anunciar que a Religião & Cia passa a buscar mais espaço no mercado que hoje é dominado pelo “Único”. Investiremos pesado, novos produtos serão lançados a fim de ganhar de vez alguns de Seus discípulos.

Não sei quantos têm o resultado da nossa campanha atual, onde temos muitos clientes, foi uma tarefa difícil alcançar milhares de adeptos, até porque levar a religião sem deixar as pessoas verem ou se entregarem ao nosso grande concorrente é uma tarefa delicada, talvez a área da empresa que mais tenha enfrentado dificuldade para crescer, basta olhar como nossos outros departamentos – drogas, bebidas e sexo – cresceram rapidamente.

Eis nossa tática: levaremos as pessoas a parecerem certas, e em alguns aspectos até a agirem de forma correta, conduziremos elas à igreja, a dar dízimos e ofertas, dizer que amam seus irmãos, mas também teremos que apimentar um pouco as coisas oferecendo-lhes alguns prazeres ilícitos, ou mesmo lícitos, mas que a elas não convenha, tudo com moderação, para que não pensem estar tão erradas.


Para uma parcela de nossos clientes temos oferecido uma imagem do Filho do Único, morto, claro, queremos que elas acreditem nele, mas nele morto. Não podemos de forma alguma deixar que as pessoas lembrem que Ele está vivo, isso daria esperança a elas, por isso espalhamos a imagem dele crucificado por todos os locais, escolas, tribunais, hospitais, casas, assim as pessoas sentem-se perto dele, mantém suas consciências tranqüilas, se sentindo justas e santas, mas de maneira alguma se entregam a Ele, pois ninguém se entregaria a um morto.


Entregar-se a Ele, esse tem sido nosso grande obstáculo, andamos em uma linha estreita, entre as pessoas parecerem corretas, e de fato serem corretas, muitas delas acabam descobrindo a verdade, e acabamos por perder o cliente, infelizmente nosso concorrente tem um produto que está acima de qualquer outro que podemos oferecer, A Verdade; isso tem nos trazido certa dor de cabeça. Nosso trabalho tem se baseado em não deixar que nossos clientes tenham acesso a esse produto, embora isso nos esteja sendo um tanto difícil.


Bem, voltando a falar do mercado de discípulos do Único, nossa primeira investida será em “abrir os olhos” de nossos clientes em potencial, de forma que consigam enxergar falhas nos irmãos, e nas autoridades, mas ao mesmo tempo vamos “fechar seus olhos” para que não enxerguem as mesmas falhas em si próprios. Tão logo comecem a ver essas falhas, a frustração tem início, e ao olharem para si sentir-se-ão melhores que seus irmãos e até que seus pastores e autoridades, e se afastarão pensado: “de que preciso eu, se estou acima de todos eles?”, doce som será tal pensamento. Deixaremos esses clientes freqüentarem grandes templos, e até permitiremos que orem suas vãs repetições diárias, leiam aquele Livro e pratiquem boas ações, aos seus próprios olhos, tudo para cauterizar suas mentes.


Como todos podem ver, a chave de nosso marketing é não deixar essas pessoas verem a verdade, em todos os nossos departamentos temos na parede nossa missão: “ficar longe da verdade, e proporcionar aos nossos clientes que fiquem mais longe ainda”, e assim teremos sucesso, mas trata-se de um trabalho árduo, a verdade é leve e brilha, temos que fazer de tudo para brilhar mais, mesmo que seja um brilho refletido e distorcido, o que importa e brilhar.


Daniel Peçanha

Fonte: Cetro de Justiça

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Lewis e o amor divino - parte 2

"É possível que desejássemos, na verdade, que Deus se incomodasse tão pouco conosco que nos deixasse por nossa própria conta, a fim de seguirmos nossos impulsos naturais que Ele desistisse de nos transformar em algo tão diverso de nosso "eu" natural: mas, de novo, não estamos pedindo mais amor e sim menos. (...)

Um pai quase se desculpando por ter trazido seu filho ao mundo, temeroso de restringi-lo para que não cresça com inibições ou até mesmo de discipliná-lo a fim de não interferir em sua independência mental, é um símbolo bastante precário da Paternidade Divina.
(...)

A Igreja é a noiva do Senhor a quem ele ama de tal forma que não pode suportar qualquer mancha ou ruga nela. A verdade que esta analogia serve para enfatizar é que o amor, por sua própria natureza, exige o aperfeiçoamento do ser amado; que a simples "bondade" que tudo tolera, menos o sofrimento em seu objeto, está, nesse aspecto, no pólo oposto do amor.
(...)

O amor pode perdoar todas as enfermidades e continuar amando a despeito delas: mas o amor não pode deixar de desejar a sua remoção. O amor é mais sensível do que o próprio ódio em relação a qualquer mancha no ser amado; o seu "sentimento é mais suave e sensível do que os chifres delicados dos caracóis". De todos os poderes é ele o que mais perdoa, mas o que menos desculpa: fica satisfeito com pouco, mas exige muito.
(...)

Quando o cristianismo diz que Deus ama o homem, isso significa que Ele o ama realmente; não se trata de um interesse indiferente, quase um "desinteresse" em nosso bem-estar, mas que, numa verdade terrível e surpreendente, somos os objetos do seu amor. Você pediu um Deus de amor, e o tem. O grande espírito que invocou tão levianamente, o "senhor de terrível aspecto", está presente: não uma benevolência senil que sonolentamente deseja que você seja feliz à sua própria moda, nem a gélida filantropia de um magistrado consciencioso, nem mesmo o cuidado de um hospedeiro que se sente responsável pelo conforto de seus hóspedes, mas o próprio fogo consumidor, o Amor que fez os mundos, persistente como o amor do artesão pela sua obra e despótico como o amor do homem por um cão, providente e venerável como o amor do pai pelo filho, ciumento, inexorável, exigente, como o amor entre os sexos.
(...)

Não fomos feitos em princípio para amarmos a Deus (embora fôssemos também criados para isso), mas para que Deus possa amar-nos, para que nos tornemos objetos em que o amor divino possa sentir "agrado". Pedir que o amor de Deus se satisfaça conosco na condição em que nos encontramos, é pedir que Deus deixe de ser Deus: porque Ele é o que é, o Seu amor deve, na natureza das coisas, ficar impedido e sentir repulsa por certas nódoas em nosso caráter, e porque já nos ama Ele precisa esforçar-se para nos tornar dignos de amor. Não podemos sequer desejar, em nossos melhores momentos, que Ele se reconcilie com nossas impurezas presentes não mais do que a jovem mendiga poderia querer que o rei Cophetua se satisfizesse com os seus andrajos e sujeira, ou que um cão, tendo aprendido a amar o homem, pudesse desejar que este tolerasse em sua casa a criatura violenta, coberta de vermes, poluente, da alcatéia selvagem.
(...)

O que chamaríamos aqui e agora de nossa "felicidade" não é o alvo principal que Deus tem em vista: mas, quando formos aquilo que Ele pode amar sem impedimento, seremos de fato felizes.
(...)

A espécie de amor que atribuo a Deus, pode ser dito, é exatamente do tipo que nós seres humanos descrevemos como "egoísta" ou "possessivo", e contrasta desfavoravelmente com a outra espécie que busca primeiro a felicidade do ente amado e não a satisfação daquele que ama. Não estou certo de que seja assim que me sinto mesmo em relação ao amor humano. Não acho que devo dar muito valor à amizade de um amigo que se importe apenas com a minha felicidade e não proteste se cometo uma desonestidade. De todo modo, o protesto é aceito, e a resposta para ele colocará o assunto sob uma nova luz, e corrigirá o que tem sido unilateral em nossa discussão.
(...)

Mas o amor de Deus, longe de ser causado pela bondade do objeto, faz surgir toda a bondade que este possui, amando-o primeiro para faze-la existir e depois tornando-a digna de amor real, embora derivado.
(...)

Deus é Bondade, Ele pode conceder o bem, mas não pode necessitá-lo ou obtê-lo. Nesse sentido todo o Seu amor é infinitamente desprendido pela sua própria definição; ele tem tudo a dar e nada a receber. Assim sendo, se Deus fala algumas vezes como se o Impossível pudesse sofrer paixão e a plenitude eterna pudesse ter qualquer carência, e carência daqueles seres a quem concede tudo a partir da sua simples existência, isto só pode significar, caso signifique algo inteligível para nós, que o Deus do milagre tornou-se capaz de sentir tal anseio e criar em Si mesmo aquilo que nós podemos satisfazer, Se Ele nos quer, esse desejo é de sua própria escolha. Se o coração imutável pode ser entristecido pelas marionetes que ele mesmo fez, foi a Onipotência Divina, e nada mais, que assim o sujeitou, voluntariamente, e com uma humildade que excede todo entendimento".

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Implicações lógicas

"Ora, meu senhor, se ele realmente acredita que não há nenhuma distinção entre virtude e vício, vamos, por precaução, contar nossos talheres antes de ele partir."

(Samuel Johnson, quando lhe disseram que um convidado para o jantar acreditava a moralidade ser um fingimento)

terça-feira, 1 de julho de 2008

A verdade e o conhecimento relativo

Nessa semana conversei com um juiz de direito. Ele disse que não acreditava na verdade absoluta. Eu disse que não acreditava na verdade relativa. Ele argumentou que o grande erro da humanidade foi a busca da verdade absoluta. Eu contra-argumentei dizendo que o erro não foi a busca em si, mas a forma como fizeram a busca. Ele citou Platão. Eu usei Aristóteles.

Ele partiu do pressuposto de que frente a determinado fato, ocorrido no passado, o juiz não busca a verdade real, mas, simplesmente, indícios do que realmente ocorreu, posto que, conforme afirma, a verdade do fato exauriu-se logo após o seu acontecimento.


Excelência, data vênia, mas vosso pensamento está fadado ao fracasso. Acreditar que a verdade não é cognoscível é o mesmo que acreditar que a ilusão pode ser válida, e que qualquer versão dos fatos podem ser aceitos. Portanto, vossa magistratura não possui nenhum valor, afinal o propósito dela é aplicar a justiça de acordo com a verdade.


Aristóteles, numa série de ensaios chamado “Lógica” ou “Órganon”, mostrou que cada ciência começa com verdades óbvias que ele chamou de primeiros princípios, explicando como esses princípios constituem o fundamento sobre o qual repousa todo o conhecimento.


O primeiro princípio é o do não- contradição, segundo o qual duas afirmações não podem estar corretas ao mesmo tempo, sendo uma contrária à outra. As duas podem estar corretas ou uma correta e a outra errada, mas nunca ambas estarão certas ao mesmo tempo.


A verdade, define Geisler, é a representação, a expressão, o símbolo ou a declaração que corresponde o referente ou seu objeto referente (aquele ao qual se refere, seja um conceito abstrato ou uma coisa concreta). Quando a afirmação ou expressão diz respeito à realidade, ela deve corresponder à realidade para ser verdadeira.


A questão é que, assim como o juiz, muitos confundem verdade absoluta com conhecimento absoluto, e verdade relativa com conhecimento relativo. Nenhum ser humano possui o conhecimento pleno sobre a verdade absoluta, portanto, nesse caso, o conhecimento é relativo. Porém, o fato do conhecimento ser relativo, não torna a verdade também relativa.


Para reconstruir a verdade o juiz deve se valer das testemunhas para ajudá-lo a formar o seu convencimento acerca daquilo que ocorreu, portanto, ele sempre estará em busca de uma verdade objetiva, real e única. Quando as testemunhas apresentam versões divergentes sobre o mesmo fato, obviamente que o magistrado não considerará que todas elas estão corretas, pelo contrário, deverá analisá-las em conformidade com outros indícios, a fim de reconstruir o fato.


No caso da morte de Isabella, por exemplo, a busca dos peritos foi pela elucidação de um fato. Não se cogita a existência de vários fatos, ou de várias verdades, mas somente de uma, que, como peças de um quebra-cabeças deverão ser montados em conformidade com as provas colhidas, baseados no conhecimento parcial de cada testemunha.


Portanto, a verdade absoluta existe, e por isso, estamos em busca do seu pleno conhecimento. O que nos prova que a verdade a qual defendemos corresponde à realidade, é o fato de que os indícios contidos no nosso conhecimento relativo demonstram claramente que essa verdade existe e que estamos no caminho certo, de forma que aquilo que nos resta diz respeito ao aspectos acessórios e não fundamentais daquilo em que acreditamos.


Autor:
Valmir Nascimento Milomem

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